sexta-feira, 30 de julho de 2010

         Como aproveitar o tempo na creche


Estabelecer uma rotina produtiva garante que ninguém fique parado à toa e mostra que a equipe é capaz de integrar cuidados com o ato de educar


Pensar numa rotina eficiente para bebês e crianças pequenas exige, é claro, coordenar a intenção de cuidar com o ato de educar. "Nessa fase, as necessidades biológicas, como sono, alimentação e higiene, são tão importantes quanto as afetivas, motoras, cognitivas e sociomorais", destaca a psicóloga Luciene Tognetta, da Universidade Estadual de Campinas, no interior de São Paulo. Infelizmente, essa ainda não é a prática mais comum em nosso país: a maior parte das creches é focada apenas na questão dos cuidados, provavelmente porque essas instituições antigamente eram ligadas às secretarias de Assistência Social, cujo principal objetivo era exatamente esse.

O ideal, dizem os especialistas, é ter intenções educativas e definir as atividades em função delas. Dessa forma, a rotina passa a ser um elemento organizador do cotidiano. Para as crianças de até 3 anos, ter atividades regradas garante mais conforto e segurança, pois eles se acostumam com a seqüência de acontecimentos e conseguem prever o que virá depois. Isso também permite que os pequenos conheçam seus limites e entendam que as coisas nem sempre podem ser realizadas na hora e do jeito que eles desejam. "A assimilação de normas desde a primeira infância é imprescindível para que, no futuro, todos se tornem adultos seguros e tolerantes, capazes de lidar com frustrações", explica a psicóloga Carolina Zambotto, de São Paulo.


Um bom começo é considerar a faixa etária da turma e conhecer bem as teorias sobre o desenvolvimento infantil. Não é possível estabelecer uma rotina fixa para os bebês, que dormem mais e precisam ter as fraldas trocadas muitas vezes. Mas à medida que eles vão crescendo isso se torna essencial. Sabe-se que, quanto menor a idade, maior a necessidade de repetir a rotina até todos assimilarem as regras. Aos 2 anos, por já saberem andar e entender quase tudo o que lhes é dito, as crianças têm muito mais facilidade para se adaptar. Entender o contexto social do grupo e a relação da turma com a família também ajuda a criar rotinas mais adequadas. Finalmente, o tempo de adaptação às atividades precisa ser levado em conta. "É importante que tudo o que é planejado possa ser concluído com tranquilidade", aconselha a psicóloga Roberta Rocha, da Universidade Estadual de Campinas. Os de 1 ano e meio, por exemplo, demoram mais para chegar ao parque do que os maiores e, por isso, é preciso sair da sala um pouco mais cedo. Nunca é demais lembrar que a capacidade de concentração aumenta gradativamente, conforme a idade. Ou seja, nada de prever tarefas muito longas para não desanimar a criançada.


A chegada da turma é um momento muito especial. É preciso acolher um a um e manter entretidos os que já estão na escola. Organize a sala (ou o pátio) em cantos de atividades diversificadas. Assim, o dia começa de forma agradável e tranqüila. Assim como essa "recepção", outros momentos merecem ser tratados como "intocáveis", caso do descanso e das refeições. Portanto, comece definindo esses horários e, depois, divida o dia em grandes blocos, que permitam variações de tarefas (confira um modelo de rotina da creche da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no quadro abaixo).


O planejamento diário é outro elemento indispensável e pode ser feito numa roda de conversa. Peça que os pequenos participem dando sugestões sobre o que fazer (propor atividades estimula a autonomia e o raciocínio). "Use fotos e desenhos para ilustrar cada atividade e promover o hábito e a previsibilidade da seqüência", sugere a psicóloga Beatriz Cunha, da Universidade Estadual de São Paulo em Assis, no interior paulista.


A rotina, é importante destacar, não precisa ser sempre a mesma. Pense, por exemplo, na seqüência roda de conversa-parque-lanche. Num dia, você pode contar uma história no parque e, em outro, na sala de aula. "Em comemorações como a festa junina e o encerramento do ano letivo, que ocorrem sempre na mesma época do ano, aproveite para criar atividades mais marcantes", recomenda a professora Maria Carmen Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Os eventos podem variar, contanto que todos sejam previamente avisados e preparados."


Em todos os casos, os cuidados devem estar vinculados ao ato de educar. "São ocasiões especiais de intimidade, sobretudo por causa da chance de oferecer um tratamento individual à meninada", diz Karina Rizek. Ao trocar a fralda e pedir que a criança segure a pomada contra assaduras, o educador estimula a autonomia e a participação. Incentivar a comer com a própria colher, por sua vez, favorece a capacidade motora. E conversar durante o banho desenvolve a linguagem oral e o relacionamento afetivo.


Confira a seguir como a equipe da Creche da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, organiza um dia de trabalho. Algumas tarefas são flexíveis e podem ser alternadas entre si.


- Entrada (das 7h30 às 9h): Quatro professores se dividem entre acompanhar as brincadeiras dos bebês e das crianças e acolher os que chegam com os pais.


- Lanche


- Roda de conversa: As crianças se reúnem com o professor para falar sobre um assunto previamente determinado e planejar a rotina.


- Atividade dirigida (sujeita a variação de acordo com o clima): Em sala, pode ser contação de história, desenho, pintura etc. No parque, a pedida é movimento, faz-de-conta etc.


- Almoço


- Descanso


- Higiene: Ao despertar, as crianças lavam as mãos, escovam os dentes e têm as fraldas trocadas. Todos os colchões são empilhados na sala


- Atividade em roda: É hora de jogar, cantar ou combinar algo


- Atividade dirigida (sujeita a variação de acordo com o clima): Em sala, pode ser contação de história, desenho, pintura etc. No parque, a pedida é movimento, faz-de-conta etc.


- Jantar
- Higiene
- Saída (18h30)


O ambiente e os recursos disponíveis na escola são tão importantes quanto a organização do tempo. "Os pequenos adquirem experiência por meio da ação, do desafio, da exploração prática do espaço e dos objetos", afirma Maria Carmen. É tocando, mordendo, chutando, dançando, pegando e transpondo obstáculos que eles assimilam conhecimentos. Por isso, alterne as atividades realizadas no interior da sala com outras em espaços externos (dentro e fora da escola) e abuse de cores, texturas, tamanhos, formas e temperaturas. Não basta explicar o que é um objeto redondo. É preciso dar uma bola para a criança.


Para garantir que todo esse planejamento seja bem-sucedido no dia-a-dia, tenha sempre livros para as atividades de contação de história, tintas para as pinturas, giz de cera para os desenhos, fantasias para o faz-de-conta, bolas e colchonetes para as atividades de movimento e assim por diante. Em outras palavras, estimule as crianças a mexer o o corpo, testar diferentes materiais, brincar, pensar soluções, transpor desafios, interagir com os colegas.


Do papel para a sala

Uma vez que você já sabe o que pretende fazer a cada dia, nada melhor do que reunir todo o material necessário com antecedência. Isso evita deixar a turma sem ter o que fazer na hora de passar de uma atividade para outra. O ideal, aliás, é que essa transição seja gradual. Nada de interromper bruscamente uma brincadeira só porque chegou a hora de almoçar. Da mesma forma, se uma criança fez xixi e está adorando folhear um livro, sugira que ela o leve para o fraldário.


Por mais que você consiga montar um bom planejamento, é bom contar com imprevistos e, o mais importante, respeitar o ritmo individual. Deixar alguém ocioso, esperando que os colegas concluam uma tarefa, também é mau negócio. "Isso costuma gerar conflito e desordem", diz Roberta. Por isso, é bom ter algumas cartas na manga para poder oferecer opções para os mais apressados. Esse raciocínio vale para os que não querem dormir no momento previsto para o descanso.


Para as crianças com deficiência, não há recomendações específicas. O melhor é que elas façam tudo junto com os colegas. "Basta que o professor e a turma as ajudem a superar suas limitações", diz Luciene Tognetta. Se uma usa cadeira de rodas, os demais podem pensar em como incluí-la num esconde-esconde. "Essa é uma oportunidade para ensinar a conviver com as diferenças."


Fonte: Revista Nova Escola